terça-feira, 28 de junho de 2011

Você se foi


Meu tosco coração não bate, gesticula-se em movimentos lentos, pulsando uma dor infindável. Você foi embora, porém permanece em toda parte, nas cores da parede do quarto, no desenho da capa do sofá, nas dobraduras dos lençóis da cama. Você se foi e deixou os seus livros românticos com finais felizes, histórias que não nos pertenceram. A tua poesia escorre pelo chuveiro toda vez que eu vou tomar banho. Por que você não foi por inteira.

Você se foi, eu não preciso do inverno para me sentir frio, a sua falta dura mais que uma estação. Estaciono na porta de entrada, gélido, com o olhar petrificado na esperança que o vento lhe traga, olho para o céu e não é estrela que vejo, a desesperança brilha no negro céu, nenhuma brisa de alento sinto. O peitoral da janela é encosto para o meu desespero e eu não consigo derramar nenhuma lágrima, acho que desaprendi a sentir assim que você se foi.

Você não volta, essa demora me deixa atordoado. Acho algo que lhe pertencia nas gavetas dos móveis, cópias dos seus escritos estão por toda a casa, nos livros que pego para reler. Sua presença está em mim. Em todas as lembranças, nas noites inquietas, no amanhecer ao som dos pássaros, no que há de mais belo na natureza.
Ontem, na porta de entrada encontrei uma chave caída no chão. De quem será? Qual a porta que abre? Que importa isso agora. Que diferença faz. Você soube abrir muitas portas, a principal, a do meu coração. Você se foi, agora, mais nenhuma chave abre a porta do meu coração. Nem sei se meu coração tem porta, ou é algo mais fechado, compacto, uma caixa lacrada com formato de coração presa em um cubo de gelo. Uma vez senti meu coração saltitando dentro desta caixa por causa da melodia de algumas palavras bonitas. Suas? Não sei, precisaria muito mais do que palavras para o degelo. Mas palavras não têm dono, pertence ao mundo, e meu coração se fechou de novo. Outra vez senti meu coração suspirando, eram uns olhos que me olharam de uma forma especial. Uns olhos que penetravam os meus. Uns olhos que pareciam espelhos de cristal e me vi refletido. Mas os olhos ficaram e eu tive que partir. Meu coração continua fechado, deve ter uma trave que o trancou por dentro. Para abrir não sei como se processa. Nem sei se precisará de um picador de gelo. Coração só se abre por descuido. Mas se fecha também por descuido. E a sua partida foi um dos maiores descuidos que meu coração sofreu em todos esses anos. Nada, nenhuma palavra, nenhum olhar, nenhum carinho é suficiente para derreter este inverno em mim.

Olho para o mar tentando perder meus olhos em alguma imagem para ver se me acho, vejo as ondas se arrebentarem nas pedras deixando de existir e mesmo assim continuando mar. O que eu preciso não é da sua volta, mas de um Recife para me arrebentar, deixarei de ser para ser mar.


Um texto escrito em dupla - Eder Ribeiro e Paula Barros.

Um convite feito por ele, com tema  e edição dele. Adorei a experiência.
27.06.11








16 comentários:

Paula Barros disse...

Eder, com muita sensibilidade, sugeriu um tema que é sempre tema dos meus escritos, facilitando a integração e o fluir do texto.
Foi um experiência inusitada, interessante e gratificante, escrever com outra pessoa, escrever usando o personagem no masculino.

Valeu, Eder. Obrigada. abraço

eder ribeiro disse...

vim dá uma curuada para ver como ficou a nossa cria. Depois passo para comentar, tou tampando. Bjos

Paulo Francisco disse...

Eu gostei, então, duplamente.
Um beijo e dois abraços.

eder ribeiro disse...

Paula, eu que saio enriquecido com a partilha, desde que eu comecei a te ler, eu sempre admirei a sua prosa poética. Foi instigante, interessante e prazeroso entrar no teu universo literário. Se vc anasilar o texto, há uma proposta de continuação. Depois lhe envio um email. Um beijo carinhoso de agradecimento. Ganhei a semana.

Anônimo disse...

"claro que a história é verdadeira,
embora seja inventada."
clarice lispector

Paula Barros disse...

Ah, anônimo, é isso mesmo. E por isso digo:
Nem tudo que o escritor escreve é verdade.
Mas tudo que escreve tem suas verdades.

Obrigada por compartilhar comigo, conosco Clarice.

eder ribeiro disse...

É isso mesmo Paula, qual de nós, lendo um livro, não nos achamos em uma personagem.

Nanda Assis disse...

Voce adorou??? hahaha duvido que adorou mais que eu!!
parecia a minha historia!!eu simplesmente amei; isso vira uma boa carta hein.

bjos...

myra disse...

que dupla fantastica, esta escrito com o coraçao..mesmo se ele esta fechado...acho que vai se abrir dentro de muito pouco! adorei....
beijos aos dois,

Benno disse...

assim como o encontro provém do desencontro, a união implica na separação, na lógica inexplicável e inexorável dos opostos. no apogeu de qualquer coisa germina em silêncio o seu antagonimo. o sofrimento é inevitável apesar da evidente autofagia.

Foi do Sol
o rei do dia
que nasceu
a deusa da noite:
A Lua

(e num dia ensolarado
calmamente se faz
o cerne feroz escancarado
de uma notória tempestade)

Na junção casual
da escuridão com a luz
inadvertidamente separados
por estes irmãos afetados
se deu a irrupção
de um eclipse solar
pelos astrônomos de plantão rigorosamente observado
e assim se fez a noite
em plenz luz do dia
e eu perdi
a noção do tempo
pois a noite
venceu a Luz
sua senhora
e eu fiquei sem hora
e eu fiquei sem ar
sem montanha e sem mar
e eu fiquei a ver navios
sem trabalho e sem lar
e tudo porque eu não vi
que o que agora acontecia
já há muito havia
desde de o princípio dos tempos
sido tragicamente anunciado
pelos profetas
e pelas gentes miúdas
era o que todos sabiam
mas só eu de tão tolo não sabia
que na virtude do ar
que eu respiro e espanto
está avisada a separação
do que antes fora separado
e ainda hoje estava
tão feliz e tão unido
mas a dissolução do dia na noite
que ancontece aqui e ali
avisava vez por outra
que o final de todas coisas
é o mesmo final
que eu haverei de ter sofrido

Beijos
Benno

Ioio disse...

Paula, querida

Como comentar algo que nos deixa com um nó na garganta....
Foi assim que li e reli esse texto, escrito a quatro mãos, com um baita nó na garganta.

Nada pior que esse vazio deixado por alguém que se foi na hora errada...

Beijos e saudades imensas!

Ava disse...

Paula, Ioio é minha filha. Pra variar, ficou logado o nome dela...rsrsrs


Beijos Ava/Alice

Branca disse...

Querida Paula,

Adorei. Está tão perfeito que nem se percebe que foi a duas mãos, não há quebra de estilos diferentes, há sim um saber de vida e um saber dizer poético e cheio de vida, de sabedoria.

Parabéns a si e ao Eder Ribeiro. Foi gratificante ler-vos.

Um beijinho muito grande.
Branca

Anônimo disse...

Paula!

Depois de muitas e diversas catarses anteriores em poemas, prosas e vivências remexendo em sentimentos nesse mundo de emoções, os seres humanos se tornam cúmplices na aventura de viver.

Um abraço!

Maria Dias disse...

O texto de vcs dois é lindo...

Bem, poderia falar tantas coisas, sobre despedidas,sobre o ter q seguir,sobre o fim do amor, mas no fundo, nao existe um fim,pq por mais que a gente consigsa congelar um coracao,sabemos q daqui ha pouquinho o coracao vai derretar o gelo e sair voando e pulsando por ai, todo serelepe e tudo vai começar de novo,aquele sentimento bom de ansiedade,as palpitaçoes q nos faz sentir vivos,o estomago estranho,as borboletas voando em nos,as risadas dentro da alma so de imaginar, a nossa cara de bobos...rs...
o amor nao acaba nunca,pq ele nao e do outro,ele vive em nos.O amor e nosso...Ele agora dorme pra nascer num novo tempo!

Daniel Hiver disse...

Bela experiencia... Estaria sendo previsível e chato se te dissesse que gostaria de ter contigo uma experência como a dele?

Parabéns a ambos...